As novas relações de trabalho em um mundo digital

O mundo digital, antes ficção científica, transformou rapidamente a vida e o trabalho, eliminando limites de tempo e distância. A transição da vida analógica para o digital é crucial para preservar direitos e adaptar-se a novas realidades.

     Um mundo fortemente digital, até os anos 90, existia apenas em filmes de ficção científica. Rapidamente, o acesso tecnológico e suas possibilidades entraram em evolução e uso na sociedade, de modo a transformar as relações de vida e trabalho de forma que não é possível um retrocesso, da mesma forma que é necessário transicionar elementos da vida analógica para essas novas condições, a fim de preservar direitos, garantias e diferentes aspectos que permanecem fundamentais, mas se tornam cada vez mais desafiadores e flexibilizados em um mundo tecnológico. 

     Nesse meio digital, tempo e distância foram relativamente dissolvidos, e os limites do trabalho, bem como as suas formas de execução e apresentação, também se transformaram. Imersos nessas mudanças estão empreendedores e trabalhadores, que migram rapidamente de cenários, demandas, limites e possibilidades, e encontram no Direito uma forma de mediar as tensões, reconfigurações e rupturas do trabalho.

Direito Trabalhista em um Mundo Digital

     É possível afirmar que a tecnologia, a partir da difusão do uso de microcomputadores e internet, trouxe uma revolução das relações e possibilidades de trabalho. Mesmo acelerada, o fator velocidade foi incrementado pela difusão de acesso da Inteligência Artificial (IA) nos últimos cinco anos e do paradigma transformacional de lugar e tempo que ocorreu durante a pandemia de Covid-19 e o trabalho remoto. Trabalhar remotamente não era algo inédito no momento da pandemia, mas a transição brusca e massiva como houve em várias atividades até então apenas presenciais foi um ponto-chave.

     Com a IA disseminada entre usuários domésticos e organizacionais, diversas tarefas humanas são sistematicamente automatizadas por completo ou adicionadas da participação dessa inteligência, o que pode poupar tempo e custos, mas também chama uma outra palavra à análise e atenção: precarização. Nesse cenário, e em avanço pouco difundido ao coletivo há muito mais tempo, está o trabalho de análise de grandes volumes de dados, que direcionam comunicações, intervenções e decisões estratégicas, bem como mediam decisões a respeito de força laboral, aproveitamento, produtividade e, assim, redesenham o presente e o futuro do trabalho.

     A precarização surge nesse processo de uma forma sutil, e muitas vezes complexa de ser identificada, algumas vezes real e outras como risco. Um exemplo de como a precarização pode se mimetizar em situações inicialmente desejáveis é o trabalho remoto. Mesmo desejado por muitos trabalhadores e visto como uma forma de reduzir custos e promover maior produtividade, de forma paradoxal pode trazer riscos como falta de limites às jornadas de trabalho e tensões que afetam a saúde do trabalhador.

     Outro campo é a proteção social e benefícios que, sistematicamente, em um mundo digital é levada à uma ótica liberal extrema, que fragilizam a segurança social e aporte dos trabalhadores – especialmente em casos de acidentes e doenças. Nesses dois casos, é interessante observar que a adequação ao presente desses aspectos desafia as definições tradicionais de emprego, benefícios, contraprestações e seguridade.

Proteção Social do Trabalhador Digital

     O sentido de precarização e seu risco pode ser melhor compreendido no caso da economia de plataformas, com o trabalho Gig, um modelo em que uma plataforma oferece acolhida a autônomos para a prestação de serviços e estes não são recepcionados por proteções comuns de um emprego formal. 

     É o caso de gigantes mundiais como Uber e AirBnb, que consolidaram esse novo modelo ancorado nas relações digitais de ponta a ponta. Apenas na União Europeia, plataformas dessa natureza já são mais de 500 em atividade, que podem empregar até 43 milhões de pessoas até 2025.

     Apesar do inicial aspecto positivo da geração de renda e trabalho, é importante considerar que, na estimativa dos trabalhadores da União Europeia, por exemplo, 55% ganham menos que um salário mínimo e atuam cerca de 41% do tempo de trabalho de forma não remunerada. 

     Sob a alegação de muitas plataformas de que seriam uma forma de complemento de renda, a crise econômica mundial que se estende por fatores diversos há alguns anos, mostra que mesmo em países desenvolvidos, 93% dos trabalhadores dessas plataformas não são formalmente empregados.

     A estimativa dessa condição em países em desenvolvimento, como o Brasil, sugere a presença de uma situação ainda mais grave. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2022 indica que, no país, cerca de 1,5 milhão de pessoas trabalham em plataformas de aplicativo, como Ifood e Uber.  Dentro ou fora do país, é emergente abordar a regulamentação e proteção social desses trabalhadores, mas já não mais dentro do modelo anterior, e sim em uma estrutura que corresponda ativamente à realidade contemporânea. 

     Um exemplo do movimento do Direito em atender a esse quadro pode ser visto no caso californiano (EUA) da Lei AB-5 que, entre outros aspectos, requer que as empresas dessa natureza mostrem que os trabalhadores são independentes em suas atividades principais, a fim de que direitos e benefícios possam ser garantidos.


•  Para conhecer mais do trabalho da Dra. Márcia Ribeiro, visite o perfil dela no Instagram. 

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